segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Areia na embreagem...

Pegou a rodovia para tentar evitar as obras que estavam sendo feitas no seu habitual caminho de casa. Era estranho pensou , ter que dividir sua intimidade com outros motoristas pelos engarrafamentos das vias . A  BR cheia. Parava, andava, parava voltava a andar. Em cada parada uma cara diferente olhando para ele, ao lado de seu fusca. Numa dessas paradas no meio da rodovia, uma dupla de vagabundos, num Opalão,  com um som que parecia uma metralhadora. Alto, insolente, um révi-metal qualquer, uma merda, pensou. Abafava o noticiário de esportes que tentava em vão ouvir. Levantou o vidro. Sem olhar mais para o lado. Mas os vagabundos percebendo sua atitude, aumentaram o som e agora faziam de tudo para tirá-lo mais ainda do sério. Saco. O seu motorrádio, não vencia mais a altura do rockão lá fora.  
      O adesivo do time, colado no seu vidro traseiro, agora virara alvo de piadinhas dos dois moleques. Com o tricolor não! Caralho de piazada de bosta! Logo a frente viu um entroncamento que saia em muito da sua trajetória, mas por ele seguiu. Tentava ainda salvar a sua sexta-feira. Confirmou pelo retrovisor , a presença do Opalão agora quase que empurrando seu para-choque. Gelou, sozinho no 1.500. Tinham os piás uma garrafa de pinga que de momento em momento entornavam com vontade. Segurou firme no volante, desligou o rádio e pisou até o fundo. O Opalão não desgrudava. O fuscão reclamava da judiação que sofria. Vibrava, chiava e rangia. Quanto mais ganhava velocidade, mais os malditos grudavam. A certa altura vislumbrou uma saída de estrada de terra e quase sem desacelerar entrou, rabeando forte, mas endireitou o carro e no poeirão que se seguiu respirou aliviado. Não via mais o Chevrolet.  Andava agora pelo bairro do Tatuquara. Conhecia o bairro porque ia de vez em quando a umas churrascadas na chácara do Bira, amigo seu que morreu de cirrose ano passado. Quando menos esperava,  o Opalão surge numa rua paralela a sua. Entre eles uns terrenos baixos alagados, que permitiam que se olhassem nos olhos, apesar da certa  distância. O motorista mostrou um ferro. Parecia ser um 38. Ria, e apontava o ferro para ele. A distância foi ficando menor a cada quadra Sabia que logo teria que confrontar os vagabundos.
         Quando finalmente as ruas chegaram ao fim, rezou aos céus para conseguir passar pela pequena rotatória que unia as vielas,  antes do Opala. Não deu. Entrou com tudo no desvio e rodou o carro imediatamente num salto que esse deu, perdendo o controle das rodas traseiras. Quase acertou em cheio o outro carro. O fusca emborcou em um terreno baldio barrento, entre duas casas, parando em uma valetinha. O Opala invadiu uma casa e estorou-se em um poste de luz dentro do terreno. Logo depois de um ruído avassalador, fez-se um monumental silêncio. Atordoado, dentro do Fuscão, ouviu ainda a gritaria de uns quero-queros que voaram assustados. Refazendo-se do susto pegou sua barra de ferro que mantinha embaixo do banco de passageiros e dirigiu-se ao Opala. A cena era bizarra A família que assistia na TV ao programa Datena, saiu de casa apavorada . O motorista do carro, atravessou o pára-brisa indo parar no quintal da frente, completamente ferrado, morto talvez. O segundo vagabundo saiu ziguezagueando pela rua. Apontava o dedo para o amigo e tentava em vão falar. Mas de sua boca só saiam bolhas de sangue. O velho correu na sua direção e desceu o ferro com vontade. O vagabundo tentava correr mas sua perna agora torta de curupira, não ajudava. Na terceira pancada, apagou o desgracido. O velho, então correu para o motorista. Mas sacou que aquele já estava no mármore do Inferno. A dona de casa gritava tanto, e o velho na hipnose da adrenalina nada entendia. Começou a acumular a vizinhança. Sem querer dar maiores explicações voltou ao seu carro e tentou dar a partida. O volks pegou na quinta tentativa. Patinava e se movia lentamente. Demorou assim, de ré uns cinco minutos para sair do terreno. Chegou sofrido a rua. Os vizinhos o cercando, pedindo explicações, malucos filhos-da-puta! Botou a primeira e arrancou forte levantando o poeirão e fazendo saltar de sua frente em direção ao chão uns idiotas que queriam ainda cortar-lhe o caminho de saída. Conseguiu se achar no bairro de periferia e voltou a rodovia. O Fusca sofrido do embate, patinava um pouco na troca de marchas. Areia na embreagem. Fora isso o Fusca-guerreiro tava igual, orgulhoso até. Parou num posto de gasolina para dar uma verificada na situação. O veículo coberto de lama. Ótimo,  pois percebera que até as placas estavam inelegíveis. De um orelhão ligou para sua patroa dizendo calmamente que ira chegar um pouco atrasado para o jantar. Ela respondeu que não se demorasse muito, pois tinha feito polenta com rabada, sua predileção. Uau! A noite parecia eu seria boa afinal.     

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