segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Assolador...

O cometa ia viajando com sua longa cauda arrastando-se pelas estrelas. Lá dentro umas vinte  janelas que mais pareciam televisores coloridos, transmitiam cenas da vida terrena. Em frente a cada TV, de pé,  um ser parecido com uma pessoa, mas com a pele de um tom brilhoso, luminescente.
        Tudo supervisionado por um homem já idoso, com longa barba e uma faixa da seleção Argentina na testa.
        O silêncio era eterno e fundamental.
        Eis que em certo tempo um dos seres dirigiu-se ao seu supervisor em pensamento.
         -Gostaria de ir ao  que os humanos chamam de terra.
         - Filho. Respondeu o velho. Poderás ir , mas nunca mais poderás voltar.
         - Refleti sobre isso e estou pronto!
         - Está bem, mas como te criei como um “assolador”,  deverás usar estes óculos de sol que te dou. Caso baixes o óculos e olhe diretamente para um humano, seu poder se pronunciará e este será imediatamente dizimado.
        - Refleti sobre isso e estou pronto! Respondeu em pensamento o assolador.
         Nesse exato momento um camelô que vendia discos evangélicos na esquina das Marechais em Curitiba recebe sobre sua banca uma carga imensa, uma explosão de luz,  mandando pelos ares seus preciosos produtos. Demorando alguns segundos para voltar a si. Refazendo-se do susto gritou ao assolador;
         - Cê ta louco meu!!!!!!!! Acabou com minha mercadoria!!!! E ainda tá pelado??!!!
          O assolador nada respondeu, apenas olhava a sua volta com certa curiosidade.
          - Cê ta fingindo que não me escuta,  ô maluco? Quer levar umas porradas é? Seu Filho da Puta?
           Quando o palavrão proferido pelo vendedor entrou pelos ouvidos do assolador, este baixou os óculos e seus olhos faiscantes brilharam em direção ao camelô que foi imediatamente pulverizado. Bluffff !!!!
            O frenesi da multidão ao redor já era total. O assolador então resolveu caminhar, como sempre via pela sua janela os humanos fazerem, lá de dentro da estrela.
            Algumas quadras à frente uma bicha que o seguiu  e não conseguia tirar os olhos daquele corpo nu falou;
          -Amiguinho tome cá este casaco e venha comigo.
           Coisa que o assolador fez, dado ao tumulto que se formara. Entraram os dois pelo edifício Tijucas, a algumas quadras dali e subiram pelas escadas por uns oito andares.
           - Você é tão lindo....Com é seu nome ? Perguntou a bicha.
           O assolador nada respondeu.
            - É tímido? Aí que lindinho esse mudinho! Suspirou a bicha.
           O assolador na dele, observando a bicha acendendo um cigarro grosso de cheiro esquisito. No que a bicha comentou;
           - Esse é do bom... quer um pouquinho?
           Não obtendo resposta, também calou-se esperando a noite, com todos os seus gatos pardos,  chegar.
           Mais a noite, a bicha já devidamente uniformizada de drag. Uniformizou também o assolador e decretou;
          - Vamos a luta amorzão, porque temos que defender o nosso...não é mesmo?
          Na Ermelino de Leão ao lado de outras drags o assolador estava curioso com os palavreados e buzinas para que com ele os motoristas se referiam.
             Como aquele carro a sua frente estava parado a um tempo, com a porta aberta e o humano em seu interior não se calava,  resolveu entrar.
              Embriagado e após algumas quadras o motorista falou.
            - Pensei que ia dar uma de filha da puta e não ia entrar. Foi imediatamente pulverizado, após sua infeliz observação. Bluffffffff
             O carro desgovernado entrou sem reduzir,  na traseira de uma Kombi parada no semáforo. Um gordo imenso saltou da lata retorcida meio cambaleante e vendo o assolador naqueles trajes ficou perplexo.
             - Você vai apanhar muito!!!!! Desce  sua filha da puta !!!
             Blufff....O assolador tendo baixado seus óculos de sol, transformara o gordo em comida de pomba.  Saiu dos destroços do carro sentindo uma dor forte nas costas e na cabeça. Uma nova sensação.... a dor...junto com ela outra se manifestava. Uma sensação estranha, apertando seu ventre. Caminhando pelas ruas próximas sentiu um cheiro gostoso no ar e o seguiu. Essa sensação a que chamavam cheiro. Tinha sido despertado na casa da bicha com aquele charutão fedorento.... Mas esse ao contrário era um bom cheiro e acabava num carrinho fumegante em que as pessoas engoliam pedaços de pão com algo dentro. Parou e pediu o mesmo. Comida!!! Que coisa maravilhosa!!! Pediu mais três. Após comer quis continuar sua caminhada, no que foi impedido pelo dono da carrocinha.
          - Qualé minha filha!  Cadê o pagamento dos rótidóguis??? No silêncio do assolador o rapaz deixou escapar entre dentes 
            -Mas me aparece cada peça...cada filho da puta!!!....BLUFFFFF
            As pessoas sem entender,  se afastavam boquiabertas, deixando cair pedaços de vina da boca. Assim  o assolador  peidou e continuou sua doida caminhada noite adentro, sentindo coisas novas como frio e calor. Aos poucos se humanizava.
            Com o dia amanhecendo, ahhh que sensação estranha! Cansaço...O único caminho que sabia era o da Drag que o acolhera. Foi até lá.batendo na porta com a cabeça, repetindo o gesto por minutos. A bicha depois de enorme tempo abriu-a.
          -Voltou ? Pois agora só entra se pagar aluguel! Há há há há .O assolador sem dizer palavra entrou e deitou no chão da sala, sobre os tacos carcomidos de madeira, vencido pelo cansaço. A bicha sem espera tirou-lhe as roupas e aplicou-lhe um boquete.
          Ahhhhhhh!!!! Que sensação!!! Era isso o sexo???? Agora finalmente achou que sua decisão de abandonar a estrela do qual nascera estava valendo a pena. Afinal nessa e em outras eternidades só tinha conhecido aquele mundo hermético, sem rótidóguis e boquetes!!!! AHHHHHHHHHHHHHH. AHHHHHHHHHHHHHHHHHHH
          Após fartar-se a vontade,  a bicha, com o sol já alto lá fora,  acabou indo atender o telefone que na insistência a fizera sair dos braços do assolador. Voltou dizendo.
        -Mudinho! Meu irmão tem uma banca de vendas perto daqui e hoje sinceramente não estou a fim de encarar,  ainda mais com esse sol! Você não iria por mim? Afinal uma mão lava a outra....Como esperado, o assolador nada pronunciou. A bicha tendo entendido  isso como concordância vestiu o assolador e o levou para a banca de camelô no centro, na praça Rui Barbosa. Colocou-o atrás das mercadorias e explicou-lhe pacientemente como se operava a função.
            Logo após a saída da bicha, um homem de terno bem cortado esbarrou na banca fazendo com que as laranjas rolassem em fileiras desordenadas pelo chão. Percebendo o desdém do trapalhão engravatado, pronunciou então a  única palavra que  realmente tinha aprendido naquelas 24hs de vida terrestre.
        -FILHO DA PUTA!!!!!!!!
        Ouvindo isso o homem de terno levanta os óculos escuros e olha para o assolador
         BLUFFFFFFFFFFFFFFFFF.

Areia na embreagem...

Pegou a rodovia para tentar evitar as obras que estavam sendo feitas no seu habitual caminho de casa. Era estranho pensou , ter que dividir sua intimidade com outros motoristas pelos engarrafamentos das vias . A  BR cheia. Parava, andava, parava voltava a andar. Em cada parada uma cara diferente olhando para ele, ao lado de seu fusca. Numa dessas paradas no meio da rodovia, uma dupla de vagabundos, num Opalão,  com um som que parecia uma metralhadora. Alto, insolente, um révi-metal qualquer, uma merda, pensou. Abafava o noticiário de esportes que tentava em vão ouvir. Levantou o vidro. Sem olhar mais para o lado. Mas os vagabundos percebendo sua atitude, aumentaram o som e agora faziam de tudo para tirá-lo mais ainda do sério. Saco. O seu motorrádio, não vencia mais a altura do rockão lá fora.  
      O adesivo do time, colado no seu vidro traseiro, agora virara alvo de piadinhas dos dois moleques. Com o tricolor não! Caralho de piazada de bosta! Logo a frente viu um entroncamento que saia em muito da sua trajetória, mas por ele seguiu. Tentava ainda salvar a sua sexta-feira. Confirmou pelo retrovisor , a presença do Opalão agora quase que empurrando seu para-choque. Gelou, sozinho no 1.500. Tinham os piás uma garrafa de pinga que de momento em momento entornavam com vontade. Segurou firme no volante, desligou o rádio e pisou até o fundo. O Opalão não desgrudava. O fuscão reclamava da judiação que sofria. Vibrava, chiava e rangia. Quanto mais ganhava velocidade, mais os malditos grudavam. A certa altura vislumbrou uma saída de estrada de terra e quase sem desacelerar entrou, rabeando forte, mas endireitou o carro e no poeirão que se seguiu respirou aliviado. Não via mais o Chevrolet.  Andava agora pelo bairro do Tatuquara. Conhecia o bairro porque ia de vez em quando a umas churrascadas na chácara do Bira, amigo seu que morreu de cirrose ano passado. Quando menos esperava,  o Opalão surge numa rua paralela a sua. Entre eles uns terrenos baixos alagados, que permitiam que se olhassem nos olhos, apesar da certa  distância. O motorista mostrou um ferro. Parecia ser um 38. Ria, e apontava o ferro para ele. A distância foi ficando menor a cada quadra Sabia que logo teria que confrontar os vagabundos.
         Quando finalmente as ruas chegaram ao fim, rezou aos céus para conseguir passar pela pequena rotatória que unia as vielas,  antes do Opala. Não deu. Entrou com tudo no desvio e rodou o carro imediatamente num salto que esse deu, perdendo o controle das rodas traseiras. Quase acertou em cheio o outro carro. O fusca emborcou em um terreno baldio barrento, entre duas casas, parando em uma valetinha. O Opala invadiu uma casa e estorou-se em um poste de luz dentro do terreno. Logo depois de um ruído avassalador, fez-se um monumental silêncio. Atordoado, dentro do Fuscão, ouviu ainda a gritaria de uns quero-queros que voaram assustados. Refazendo-se do susto pegou sua barra de ferro que mantinha embaixo do banco de passageiros e dirigiu-se ao Opala. A cena era bizarra A família que assistia na TV ao programa Datena, saiu de casa apavorada . O motorista do carro, atravessou o pára-brisa indo parar no quintal da frente, completamente ferrado, morto talvez. O segundo vagabundo saiu ziguezagueando pela rua. Apontava o dedo para o amigo e tentava em vão falar. Mas de sua boca só saiam bolhas de sangue. O velho correu na sua direção e desceu o ferro com vontade. O vagabundo tentava correr mas sua perna agora torta de curupira, não ajudava. Na terceira pancada, apagou o desgracido. O velho, então correu para o motorista. Mas sacou que aquele já estava no mármore do Inferno. A dona de casa gritava tanto, e o velho na hipnose da adrenalina nada entendia. Começou a acumular a vizinhança. Sem querer dar maiores explicações voltou ao seu carro e tentou dar a partida. O volks pegou na quinta tentativa. Patinava e se movia lentamente. Demorou assim, de ré uns cinco minutos para sair do terreno. Chegou sofrido a rua. Os vizinhos o cercando, pedindo explicações, malucos filhos-da-puta! Botou a primeira e arrancou forte levantando o poeirão e fazendo saltar de sua frente em direção ao chão uns idiotas que queriam ainda cortar-lhe o caminho de saída. Conseguiu se achar no bairro de periferia e voltou a rodovia. O Fusca sofrido do embate, patinava um pouco na troca de marchas. Areia na embreagem. Fora isso o Fusca-guerreiro tava igual, orgulhoso até. Parou num posto de gasolina para dar uma verificada na situação. O veículo coberto de lama. Ótimo,  pois percebera que até as placas estavam inelegíveis. De um orelhão ligou para sua patroa dizendo calmamente que ira chegar um pouco atrasado para o jantar. Ela respondeu que não se demorasse muito, pois tinha feito polenta com rabada, sua predileção. Uau! A noite parecia eu seria boa afinal.